sábado, 26 de setembro de 2009

Polvo Escarlate

Era uma tarde cinza e a Consolação começava a receber as prostitutas do fim de semana. Num canto da praça um grupo batucava entre baforadas de crack e maconha. Avistei Júlia dobrar a esquina e se aproximar do prédio da redação. A poucos minutos eu vira a notícia do arquivamento das denúncias contra o Senador José Sarney pelo conselho de ética do Senado. Paulo Duque, um homem até então obscuro e anônimo para o resto do mundo tomava decisões que mudavam todo o jogo, como se espalhace as peças do tabuleiro num tropeço involuntário. Júlia entrou esbaforida. Aproximou-se e me entregou um envelope. MT. As iniciais que não reconhecia estavam gastas pelo contato das mãos de Júlia. Abri o envelope.

Preciso dizer ao leitor, antes de continuar a narração dos fatos a seguir, que não se trata de ficção ou crônica policial. Os fatos aqui narrados são verídicos e os personagens reais. Os nomes e as identidades, diferente de contos policiais, não foram preservadas. A cronologia dos acontecimentos e os teores das conversas, das gravações e tudo o mais são reais. Pessoas desapareceram durante o período correspondente ao início dessa investigação e continuam desaparecendo. Segredos foram revelados enquanto novos eram acobertados. Também é preciso dizer que não existe uma conspiração com planos de dominação global. Se existe, eles já atingiram seu objetivo. E se atingiram, é inútil tentar fazer alguma coisa. O que sabemos até agora é que estamos vivendo um período de mudanças, e essa mudança terá consequências nas vidas de milhares de pessoas.



O Homem que estava lá

A Lagoa Rodrigo de Freitas foi o cenário do homicídio que desencadeou a crise conhecida como Mensalão, num dos episódios mais dramáticos da política brasileira, de repercussão mundial e que no fim, como tudo no brasil das bananeiras, acabou em pizza. As 12:34 do dia 26 de março de 2005 Paolo Namura foi morto enquanto fazia sua caminhada diária pela Lagoa. As autoridades diriam semanas depois que tudo não passara de uma tentativa de assalto frustrada. As imagens das câmeras de segurança sumiram na mesma semana, ao mesmo tempo em que guardas municipais que atenderam o caso foram removidos ou dispensados de suas atividades. Testemunhas do crime que antes afirmavam terem visto dois homens descerem de um carro e atirarem em Paolo Namura mudaram seus depoimentos na semana seguinte. De acordo com eles, dois homens pardos se aproximaram de Paolo e lhe deram voz de assalto. Paolo tentou correr e foi atingido por 8 disparos. Os homens desapareceram entre a multidão. Quando indagadas sobre a descrição dos suspeitos as informações não batiam. Os familiares de Paolo Namura que nos dias seguintes ao crime bradavam por justiça e davam entrevistas em canais de televisão, duas semanas depois se aquietaram e diziam estar conformados que tudo não passara de um assalto frustrado. Mônica Namura, a viúva, suicidou-se um mês depois em um hotel de São Paulo. No registros do hotel consta que Mônica chegou por volta das 16:00 sozinha. As 16:28 fez uma ligação para um telefone do Rio e logo em seguida outro telefonema para o Palácio do Planalto. As 18:46 um homem identificado como Olávio Juares de Melo subiu até a suíte 458 e lá permenaceu por 5 minutos. Quando saiu utilizou-se das escadas do prédio de 15 andares, evitando os elevadores e deixando o prédio pelo acesso destinado à entrega de mercadorias. As 19:45, Mônica ligou para sua casa no Rio e falou com a mãe. A conversa durou 8 minutos. Às 20:13 ouviu-se um tiro. Quando os seguranças do hotel entraram na suíte 458 encontraram Mônica sobre a cama, despida e com um tiro entre os seios. Numa das mãos uma carta, na outra a arma que tirara sua vida.